terça-feira, 27 de julho de 2010

Roberta Sá - Quando o canto é reza

Roberta Sá é uma grande cantora? Sim! De todas as vozes novas que não param de surgir, certamente é uma das melhores. Roque Ferreira é um grande compositor? Sim! Sempre fez canções maravilhosas, mas, especialmente nos últimos anos, tem conseguido um sucesso tão imenso quanto merecido. O Trio Madeira Brasil é composto por grandes músicos? Sim! Seus violões, violas e bandolins, juntos, são imbatíveis na arte da delicadeza e do apuro técnico. E por que, ao se juntar a voz de Roberta com as canções Roque, com acompanhamentos do Madeira, não se tem um grande disco? Porque, embora seja uma cantora de timbre límpido, técnica primorosa, bom gosto indiscutível e produção caprichada, Roberta não é ousada. Porque, sem embargo de compor em vários ritmos e gêneros, sempre de forma melodiosa e inventiva, Roque acaba se repetindo nas rimas e nas melodias. Porque, ainda que toque brilhantemente, com uma destreza perfeita e uma harmonia sonora única, o Trio Madeira Brasil não se revela versátil.

Quero com isso dizer que Quando o canto é reza - disco mais recente de Roberta Sá, todo baseado em composições de Roque Ferreira, inteiramente adornado pelo acompanhamento do Trio Madeira Brasil - é um disco ruim? Claro que não! Por certo é muito melhor do que muita salada mista que sai por aí. Por certo vai agradar aos fãs e aos novos ouvintes da cantora. Por certo vai render boas críticas. Mas o que o disco não tem é justamente uma variedade, uma mistura, um contraste entre as gravações que pegue o ouvinte de surpresa ou que o faça mudar de sensação a cada faixa. O disco de Roberta, para dizer o mínimo, é linear.

E, repito, não está se falando aqui de um disco ruim. Apensa podia se esperar mais de uma cantora tão especial quanto Roberta Sá - que lançou um estupendo primeiro disco (Braseiro), superou com facilidade e louvor a barreira do segundo disco (Que belo estranho dia para se ter alegria) e que, inclusive, não sucumbiu à maldição do disco ao vivo (Ao vivo no Rio). E a sua curta porém brilhante carreira é exatamente o seu pecado: Roberta Sá criou os seus próprios critérios de comparação, que agora permitem uma avaliação nem tão positiva do seu novo trabalho. Porque Roberta já tinha gravado Roque Ferreira - "Laranjeira", excelente faixa de seu segundo trabalho - e também já tinha se valido das cordas do Trio Madeira Brasil em ocasião anterior. De maneira que o disco atual, além de linear, é pouco surpreendente. É previsível.

Destaques existem? Claro! "Zambiapungo" é da safra mais nobre de Roque Ferreira, assim como também são "Água da minha sede" (já muito bem gravada por Zeca Pagodinho) e "A mão do amor" (cujo trecho inicial já havia sido gravado por Maria Bethânia em um de seus dois discos mais recentes). São faixas de gravação primorosa, que merecem todos os aplausos. Destaque também para o lindo material gráfico do disco, absolutamente requintado no seu rústico e totalmente sofisticado no seu simples - diferente de tudo o que se podia esperar em um disco de uma cantora "jovem", enfim. E, precisamos concordar, Roberta Sá está cantando cada vez melhor: arriscando gravar em tons não tão altos, alongando um pouco mais as notas, de modo a ganhar personalidade! Tomara que isso a faça mais segura, mais confortável para ousar, para inventar, para cantar sem medo de ser feliz. E, enquanto isso, a gente vai aproveitando este lindo disco!

22 comentários:

Thaty Aguiar disse...

Bela crítica. Bem argumentada. Quero logo o cd pra tirar minhas próprias conclusões(Mas aqui no Rio, na Saraiva, só quinta feira). É aguardar!

Anônimo disse...

Crítica primorosa e elegante... Existe algo além de Mauro Ferreira!!!
Parabéns Bruno.

Carlos Cardoso disse...

Caro Bruno

Gostei muito da crítica, bastante imparcial e baseada em fatos e dados. Mas ainda quero ouvir o CD para saber se concordo inteitamente.

Carlos Cardoso

wash disse...

Olá Bruno
eu adorei a critíca, acho que a Robertá é excepcional, eu fui em um show dela há pouco tempo e vi que ela está melhor que nunca e mais solta no palco, acho que isso vai se refletir nos próximos trabalhos.
abraços

Alex Pizziolo disse...

Concordo bastante com você, ainda mais em relação às composições do Roque Ferreira, que juntas num mesmo cd fazem parecer que há pouquíssimas músicas devido ao uso de palavras e expressões iguais incessantemente. E os arranjos do Trio Madeira Brasil são lindos, dão todo um toque especial às músicas, mas também contribuiram para essa semelhança entre as músicas. E quanto a Roberta concordo quela não ouse, mas ela tem evoluído muito. E como vimos ritmos e vibes diferentes nos outros cds dela, chegar nesse com um único ritmo em todas as músicas é desconcertante.

Anônimo disse...

Bruno, concordo plenamente com você. Parabéns por tão bela escrita! Você deveria ter um espaço maior, assim não ficaríamos entregues as opiniões e censuras do Sr. Mauro Ferreira, que se acha onipresente.

Bruno disse...

Obrigado pelos comentários, pessoal! O mais legal de tudo é estimular a discussão, confrontar as opiniões, fazer com que se tenha mais um espaço - ainda que pequeno e amador - para se falar de MPB. E não quero, por nada, comparar este meu blog ao que faz o Mauro Ferreira. Sou seu amirador há muitos anos, fã declarado, cujo gosto musical eu sempre segui e em cujas opiniões sempre confiei. É um profissional absolutamente dedicado, que nos traz sempre o que há de mais novo no mundo da música, ajudando a manter viva esta chama que insistem em abafar. Devoção total ao Mauro e a todos os críticos de música brasileira - coisa rara hoje em dia... O que seria de nós sem os críticos (de verdade) de música? Eu, repito, apenas comento aqui o que achei dos discos, sem qualquer pretensão de influenciar alguém ou de servir de parâmetro a nada. É isso, minha gente! Abraços a todos!

Anônimo disse...

Augusto Flávio - Petrolina-Pe

Bruno, li sua crítica e achei de introspectiva lucidez. Consegui o disco, pensei que não ia gostar pois achei que o que Bethania gravou de Roque no disco Encanteria, muito fraco. Mas o disco de Roberto tá gostoso de se ouvir. Quanto a Roberta ousar concordo com vc, ela precisar desvincular-se um pouco do samba. Claro que o samba é a base, é o nosso patrimônio maior, mas fico na expectativa dela apostar em outros estilos, ganhará ela, a música e principalmente nós.

Robson Saldanha disse...

Conferi o CD. Eu gsotei bastante. Entendo que não é bem um CD de Roberta por se tratar de um projeto paralelo, portanto não tem bem a cara dela. Acho que foi ousado até o que podia ser, ainda que não discorde de muita coisa que falou. MAs certamente, gostei mais do que vc! hehe

Cecilia disse...

Roberta Sá é tão chata e clichê!

Ouçam Socorro Lira, Flávia Bittencourt, Flávia Wenceslau, cantoras de verdadeira personalidade.

Robson Saldanha disse...

Cada qual com seu gosto. Mas não precisa ser clichê querendo dar um 'ar' de cult, né Cecilia?

Anônimo disse...

Critica fraca e mal escrita.

Camila Almeida disse...

Ouvi o cd esse fim de semana e acabo de ler sua crítica. Concordo com você quando diz que o cd é linear e até previsível. Mas não acho que necessariamente a linearidade faça um cd ser decepcionante, não acho também que é preciso surpreender ou mudar de sensação em cada faixa. Creio que a proposta do disco seja essa propositalmente: Canções semelhantes, com as mesmas características, mas muito bem executadas. O cd acaba sendo simples e belo e me agradou muitissimo.

P.H. de Castro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
P.H. de Castro disse...

A Roberta vem de uma sonora constante. Inegavelmente uma cantora SENSACIONAL. Quando à ousadia (ou ausencia dela), creio que se explica pelo sempre posto "simples e bonito" da Roberta ou, como já muito bem explanado pelo Bruno, pelos poucos anos de carreira que ela possui.

Nisso, vale a ressalva de que ela é perfeita no que faz e o faz com maestria. Entretanto, patamar elevado, expectativas elevadas...

Mas, como amante da Roberta e do seu talento, sei que vem MUITO mais por aí. Afinal, o que pode ser mais "ousado" que um cd baseado em canções de um único compositor e arranjos de uma banda que não seja da propria interprete em tempos de música por vendagem??

Se isso não for ousadia, é, no mínimo, um risco gostoso de ouvir, sempre com aquele gostinho de QUERO MAIS... E VIVA ROBERTA SÁ!!!!

Anônimo disse...

http://rapidshare.com/files/409495588/UQT2010_RobertaSaETrioMadeiraBrasil-QuandoOCantoEReza.rar

Unknown disse...

Se variedade for critério para avaliação de discos e artistas, podemos jogar quase toda a MPB no lixo, já que o que mais temos são cantores de samba, bossa nova, forró e por aí vai.

Como já dito por alguém, sendo um trabalho paralelo e em homenagem a um compositor, já traz nisso ousadia o suficiente. Não se aventurar em eletrônicos, efeitos de voz e outras modernidades mais ainda.

E, pra finalizar, mais uma palavra: sutileza. Não é uma linha, mas curvas sutis.

Cecilia disse...

Exatamente, Roberta é clichê e falso cult...

Resgatar o samba e compositores esquecidos? Nara fez isso há cinquenta anos atrás e é insuperável.

Rodrigo Corrêa disse...

Não há nada mais clichê do que dizer que tudo o que você não gosta é clichê, Cecília, não gosta? ok! Escreva um argumento suficientemente bom, porque esse pseudo-argumento não vai ser tolerado por ninguém.

Erick Paulo disse...

Bruno Parabéns!!! por esse Blog e por sua sabedoria em avaliar os nossos Cantores da MPB. Bom em relação ao Cd, já ouvir e realmente faz sentido tudo o que você descreveu, já a cantora não posso aceitar o seu cometário ainda, pois acho que ela continua a mesma. tem um show marcado aqui em Recife e irei para ver de perto se é realmente o que você fala.Obrigado pelo espaço fica com Deus e aguardo seu comentário sobre o novo Albúm da Vanessa da Mata.

Unknown disse...

Permitam-me discordar, mas eu não achei a crítica muito boa não.
É claro que você não irá obter uma diversidade tão grande dentro do mesmo disco, se o compositor é único, se a cantora é única e se os músicos são os mesmos. Mas na verdade, essa que é a ideia. Não é pra ter.
Um ponto é que os CD’s que têm faixas diversas feitas pelos mesmos músicos geralmente são de variações forçadas, o que provoca a perca da essência da Música, colocando a criatividade pela criatividade à frente, esquecendo da expressão do sentimento. (A exceção é o CD-coletânea)
Além disso, esse CD recupera a real ideia de um álbum que é a tematização, um caráter de unicidade. Esse trabalho mostra algo planejado e coerente em vez de uma mistureba aleatória como muitos CD's por aí. As pessoas de hoje estão acostumadas com as suas playlists de canções aleatórias em seus MP3's e não conseguem se deixar levar pela real magia de um álbum. Eu diria até mais, a real magia da Música. Você precisa de uma sequência de sentimentos em estímulos próximos para ser realmente tocado pela essência da Música. Porque do contrário você será apenas entretido e não sensibilizado. A Música vai muito além de um simples entretenimento. Pelo menos pra mim.

RAPETTA disse...

Polemicas a parte, anoto que gôsto é muiiiito relativo.....
Mas conhecimento e musicalidade,....não, estes se adquirem com muita audição e muita sensibilidade.
Primeiro a Bahia, a terra de magia que só conhece quem por ali flutuou.
Digo flutuar pois é mais ou menos como Santiago de Compostela, o alvo não é ir a Santiago, e sim trilhar a pé o caminho que te leva até lá.....Conhecimento!!!
Só quem conhece isto pode sentir a força destas cações que o CD traz.
Depois...Roberta Sá... ela tá perfeita, nem mais e nem menos,exatamente a conta!!
Frente a esta porcaria e mesmice que se tornou nossa MPB, poder desfrutar de algo fresco e novo, nos renasce na forma de ouvir musica.
Lindo!!!!!